domingo, 8 de fevereiro de 2009

Faxina e lembranças...

Depois de três dias de faxina intensa, enfim terminamos hoje. Infelizmente meu pai tem o hábito de guardar um monte de tranqueira e eu não posso negar que tbm tenho mt papel e mt coisa sem utilidade guardada. Então eu e minha irmã separamos o q não estamos usando para doar e assim fizemos uma geral na casa.
No primeiro dia limpando o "quarto dos meus pais" encontrei uma crônica escrita por um médico. Na crônica ele fala sobre as mudanças que aconteceram no seu modo de pensar depois que conheceu certo deficiente visual. Eu já havia lido o texto na época em que foi escrito e publicado, pois o deficiente visual em questão é meu irmão. Lembro que ele entregou uma cópia do texto para meu pai e ficou mto orgulhoso com o fato. Meu irmão nasceu com miopia que aumentou até ele perder a visão de um olho e enxergar apenas 8% (com uso de lente corretiva) do outro olho. Ele sempre levou uma vida normal, tanto que para nós é como se não tivesse deficiência alguma. Engraçado, sexta-feira eu li o texto com outros olhos e tbm fiquei orgulhosa dele. Em pensar que apesar das suas limitações é uma pessoa bem sucessida, tem um trabalho, se casou, e acabou de ser pai de um lindo menino.Sexta feira eu digitei todo o texto aqui no blog e qd cliquei em publicar postagem, deu erro e eu perdi. Ai que raiva!!! Mas por achar que vale a pena deixa-lo registrado aqui vou digitar tudo novamente. E dessa vez lembrarei de copiar antes para não correr o risco de perder todo o meu trabalho.

Desculpa de aleijado é muleta

E eu que pensava enxergar com plenitude. A visão é um privilégio, um instrumento essencial. Quem se acostumou a desfrutar de cores, é como desfrutar de amores, e não saber viver sem eles. Eu pensava que a minha vida era completa. Sabia enxergar a florada dos opês, das orquídeas, nem mesmo nuvens cinzentas escapavam do meu campo visual. Até num arroubo de inspiração, aprendi a escrever, estimulando o uso de um terceiro olho. Cresci em meio a sabores a cores. Até a idade que sinto agora, os óculos pouco me são necessários, para longe careço um dose, de perto leio com olhos de lince. A vista sempre foi o meu forte, e a inspiração a ela corteja, como irmãos. Até um dia desses acreditava poder ver com nitidez e clareza. Nada passava por meus olhos aguçados, e o ambiente, pobre dele, se desnudava por completo, se mostrava por inteiro. Coisas que poucos tinham a capacidade me tornavam familiares. Das plantas gostava de ver suas cores, do horizonte os seus volteios, das pessoas o que lhes ia por dentro. E eu acreditava poder enxergar tudo que se mostrava, mesmo escondido no entorno. Aos cinquenta anos a visão ficou ainda mais perfeita, nascia, atenta. Mas ela ficou exigente com as coisas banais. Um dia aconteceu algo, intrigante. E eu que pensava enxergar demais.

Na lida de médico que opera, e tem a felicidade de oferecer a cura, ou incrementar dores, passou-me pelas mãos um rapaz, jovem ainda. Foi ele quem me ensinou que: em terra de cego, quem tem um olho é rei, e que desculpa de aleijado é muleta. O rapaz, meu novo amigo, enxergava a vida com óculos de fundo de garrafa. Segundo ele tem uma visão subnormal. É cego do olho direito, e do órgão visual que lhe resta apenas consegue enxergar borrões, sombras, nada mais. O olho sadio tem uma deficiência significativa: 29 graus de miopia. E ainda por cima com fotossensibilidade. O sol o incomoda. Obstáculos da rua o fazem tropeçar. Usa a bengala por vício, e faz dela uma desculpa, não para atrair simpatias por causa da deficiência visual. Aquele adereço, vive desarmado, mas o conforta como um amigo que não tem. Ele, com ironia, o alcunha de: cidadão modelo da cegolândia, e o faz entre risos de troça. Na sua carta que tenho em mãos, ele confessa que está por se casar com uma colega de visão fraca. Canta em coral com voz de soprano. Já leu a bíblia inúmeras vezes, se agarrando às tintas, e não preciso fazê-lo em Braille. Como se não bastasse tamanho talento, pinta paredes, pratica esporte adaptado, faz musculação, cursa informática, ousa fazer pátna, e outros mais. Usa a bengala quando o sol está muito forte, ou quando falta luz. A muleta não é desculpa para ficar à-toa, e sim um recurso para ir além das limitações. O rapaz de visão subnormal lê e escreve em Braille, lê em tintas e ouve livros gravados em fitas áudio-cassete. Quando lê o faz em voz alta, e gosta de ler para outras pessoas. Sonha em ser radialista, adora comunicação. São suas as palavras: "a visão é mais que um quadro colorido e animado, enxergo pouco, mas ouço e sinto o cheiro das coisas e pessoas, e percebo o que está além da minha visão, enxergo o que está adiante de mim." Sobre a política comenta: "os eleitores formam vínculos empregaticios ou devem favores, e por isso não podem ser honestos, e caso se posicionarem contra este ou aquele nome, só admitirão para si mesmos na urna eletrônica, pois o voto é secreto". O pôr do sol é para meu amigo uma pintura abstrata, da mesma forma maravilhosa. Ele não se percebe deficiente, portador de visão subnormal. Nasceu assim e assim é feliz.
Depois do breve entrevero, com meu novo confidente que usa bengala, mas a ela dispensa quando quer e pode, mudei meu juízo sobre enxergar demais. Ele sim enxerga a vida como ela é.


Eu, preciso aprender mais...

Dr. Paulo E. Rodarte Abreu

Um comentário:

Fernanda disse...

Que lindo, amiga! Seu irmao eh super inteligente! E achei linda aquela foto do Gabrielzinho ollhando pra ele.
Bjos!!!